quinta-feira, 28 de maio de 2009

KRAHO

Algumas questoes "Burocrático-indigenistas"


Fizemos o primeiro contato com os Timbira através do CTI, ONG indigenista criada na década de 70 por alunos do curso de Ciências Sociais da USP que, na época, se envolveram com as comunidades indígenas da região.Hoje, o CTI é considerado umas das organizações do terceiro setor mais influentes na questão indígena, sendo, inclusive, parceira da FUNAI em diversos projetos. Foi com o objetivo de fortalecer a união do povo Timbira que o CTI começou o trabalho na região.
Segundo “Hapuhi” Kraho, com quem conversamos assim que chegamos em Carolina, os grupos que formam o povo Timbira estavam separados, vivendo pequenos núcleos familiares, desconfiados uns dos outros e falando, basicamente, o português. Foi através dos esforços de antropólogos e do CTI que os povos Kanela, Krikati, Gaviao, Kraho e Apinaje voltaram a se unir, em busca de resgatar, compartilhar, trocar e reconhecer sua língua, suas musicas, festas e mitos. Inclusive a formação de novas aldeias que reunissem aqueles pequenos núcleos famíliares é parte deste recente processo. A conversa com “Hapuhy”, assim como a entrevista com sua irmã “Krut Kuy”( anteriores a nossa ida para a aldeia) se deu na Associação Witi Cati, que na língua “mejin” (indígena) significa “casa de todos”.Com sede em Carolina, esta associação foi criada com o objetivo de servir como ponto de encontro e centro fomentador de idéias e atividades do povo Timbira.
Carros da Funai e da Fruta Sã, que nos levaram pra aldeia.
Renan (chefe de posto da Funai) e Alcindo ( do CTI): uniao entre Estado e o Terceiro setor que as vezes dá certo!
Entrevista com "Krut Kuy" na Witi Cati, Associaçao dos Povos Timbiras.
Também conhecemos, em Carolina o projeto Frutos do Cerrado, que além da causa indígena tinha o objetivo de ser parte da resistência á destruição da fauna e flora local que geram as plantações de soja, eucalipto e os pastos que se multiplicam na região. Parte do projeto Frutos do Cerrado foi a construção, 12 anos atrás da Fruta Sã , uma fábrica de polpas congeladas de frutas do cerrado cujo lucro – quando há, já que a fábrica tem tido inúmeros problemas para se manter em funcionamento - deve ser destinado ao povo Timbira.



Equipamentos da Fruta Sã








Além da Witi Cati e da Fruta Sã, fomos conhecer o centro cultural dos Timbira, o “Pintchuy”, lugar onde atividades de recuperação da memória Timbira, de digitalização de material, arquivo, aulas e oficinas foram realizadas. Foi para o “Pincthuy” e suas atividades que a verba recebida através do Ponto de Cultura foi direcionada.
Todos com quem conversamos elogiaram os projetos desenvolvidos no Pintchy. Também todos criticaram o fim abrupto das atividades no local, que por problemas na prestação de contas deixou de receber a última das três parcelas que viriam através do Projeto do Ponto de Cultura.




Dança e cantoria no pátio central da aldeia. No Pintchuy, tais músicas foram gravadas, fotos resgatadas, oficinas realizadas.


São inúmeros os problemas sofridos pelos Timbira. Além, obviamente, dos problemas que afetam os povos indígenas de modo geral (a questão territorial, o alcoolismo, o descaso governamental, o desmatamento), alguns problemas específicos ao repasse de verba pública foram citados por Elizete, do CTI, que gentilmente nos apresentou o “Pincthuy”.Por exemplo, o fato de ser um povo cuja unidade ultrapassa a fronteira dos Estados, gera um problema burocrático na hora de repassar a verba que vem do MEC para a educação dos povos indígenas. Como disponibilizar a verba a educação para o Povo Timbira em sua unidade sem que esta seja dividida entre as Secretarias de Educação dos Estados do Maranhão e de Tocantins? Outro exemplo é a própria prestação de contas de projetos como os Pontos de Cultura: como justificar gastos que são, por vezes, situações extraordinárias, relevantes á uma outra cultura, que não a nossa?
Por exemplo: existe um orçamento para que 10 pessoas façam um curso no “Pincthuy”. Quando o carro chega na aldeia para buscar aquelas 10 pessoas, um cacique cuja ida não estava prevista ou a mãe de uma destas 10 pessoas resolvem de última hora ir ao curso também. Não existe a mínima possibilidade de negar esta ida. Porque é cultural, se a mãe quer ir ela vai, se o cacique resolve ir, ele vai...e aí são mais duas pessoas pra comer, pra beber...e na hora de justificar, só podia justificar os 10.
Um outro exemplo citado por Elizete é no caso de morte de um membro de uma aldeia. Supondo, por exemplo, que há uma senhora indígena na cidade muito doente, e ela quer ser levada pra morrer na aldeia. Não importa como, mas esta senhora terá que ser levada imediatamente para a aldeia, já que morrer em qualquer outro lugar significará um enorme problema para quem a estiver acompanhando: para eles, a morte é sempre culpa de alguém, e se esta pessoa morre na cidade, a pessoa que estiver junto, seja um funcionário da FUNAI, do CTI ou um médico, será eternamente responsabilizado pela família do morto. Então um gasto que não era previsto é gerado, de taxi, de motorista...E aí, como justificar isso burocraticamente? Que nota fiscal abarca isso?
Estes são apenas pequenos exemplos dos problemas que envolvem a questão indígena, a verba publica e a prestação de contas.Para Elizete, não haveria a flexibilidade necessária por parte dos órgãos financiadores de projetos para lidar com questões que são especificidades culturais deste povo.





E lá na Aldeia Nova...






por do sol feliz com Ted








por do sol feliz








Lucas e krahos














esmalte do poder








no morro "kan"








pátio da aldeia








a mae da aldeia








Balao azul








Corrida com toras








Aldeia Nova








pintada para a festa








Pempxá








Pedrinho

PALMAS - TO

Represa em Palmas


Fim de tarde no deck


Bruna e Junior - amigo achado no Deserto do Jalapao


Bruna em seu melhor angulo


Saudades Juneira

DESERTO DO JALAPAO

Serra em Tocantins - a caminho do deserto

Deserto do Jalapao

Desde que surgiu a idéia de ir para o deserto do Jalapão, todos imaginamos a estereotipada cena: quilômetros e quilômetros de areia, um visual amarelado, sede, sede e mais sede e um sol de quebrar o coco sobre nossas cabeças. Qual não foi a surpresa ao encontrar um verde exuberante, chuvas constantes e muita, muita, mas muita água! A região é considerada desértica sim, mas pela densidade demográfica: cerca de 0,8 pessoa por Km2! Algumas das expectativas foram confirmadas: sem dúvida nos fogem palavras para explicar a beleza e excentricidade do local, com suas misturas de dunas, montanhas, cachoeiras que variavam entre um verde esmeralda e um azul turquesa, tucanos, buritis... Sem contar os fervedouros, nascentes borbulhantes em forma de pequenos lagos onde acabamos por flutuar em uma mistura de água e areia finíssima... Dificílimo explicar.


Fervedouro - Deserto do Jalapao


Fervedouro - onde nunca se afunda



A região passou a ser considerada Parque Estadual, devido ao turismo que vem se intensificando nos últimos anos. Mas é um turismo gringo, elitizado, feito de pacotes e tours fechados por agencias turísticas de Palmas e São Paulo, ao estilo safári africano. Realmente o acesso á região é difícil, e não pudemos fazer vários passeios porque só um 4x4 aguentaria o tranco. De atrevidos, resolvemos arriscar: com a Doblô, seguimos o caminho que leva á Cachoeira da Formiga, onde íamos acampar. Atolamos, claro. E feio...

Piau e Lucas tentando tirar o carro do atoleiro




Povoado de Mumbuca – Deserto do Jalapão, Tocantins.


Povoado Mumbuca


Mumbuca: Nome de uma abelha muito comum na região quando o primeiro morador da comunidade - filho de escravo que fugia da fome e da seca baiana – aqui chegou. Já no Cerrado Tocantinense, laçou uma índia que em cima de um burrinho passava e com ela se assentou, no coração do Jalapao. Isso “tá pra mais de cem anos...” como afirmam os seus descendentes afro-indígenas, com quem tivemos o imenso prazer de conviver durante breves dois dias de permanência no povoado.





Familia de Neide



Hoje, a 7 geração já está vivendo em Mumbuca, mantendo-se basicamente da plantação de arroz, mandioca e milho, da criação de poucos gados e galinhas e, principalmente, do artesanato feito com o Capim Dourado, tipo de capim originário da região que trançado em formas várias parecem bolsas, brincos e colares trabalhados em fios de ouro.
Aliás, segundo os moradores, teria sido ali mesmo em Mumbuca que a arte do capim dourado teria surgido. Atualmente, não apenas Mumbuca como outros povoados vizinhos são sustentados, basicamente, da venda deste artesanado, normalmente comprado dos artesãos tocantinenses a preços irrisórios e vendido a preços exorbitantes em lojas de grifes de São Paulo.


A princípio, a idéia era apenas passar um dia na comunidade. Mas logo fizemos amizade com os moradores, que perguntaram ao Piau se podíamos ficar para ajudar a redigir um documento reivindicativo, resultado da reunião que estava marcada com todos os moradores na pracinha as 19hs. Ficamos e fomos para a reunião, onde se misturavam ânimos exaltados, gargalhadas constantes e discursos de líderes em tom pastoral.


O motivo da reunião era um restaurante em Palmas, que estava utilizando – sem autorização - o nome de “Mumbuca Bar e Restaurante” além de fotos de moradores em seu material de divulgação. Alem disso, no folder de estréia do restaurante estava escrito que parte da renda obtida com a venda do prato “Capim Dourado” seria revertida para a comunidade, verba esta que, obviamente, nunca chegou ao povoado...

Neide muito obrigado pelo carinho, seu e de sua família.



Ajudamos na redação do documento, e a comunidade ficou imensamente agradecida pela nossa presença. Desmesuradamente agradecida, poderíamos dizer...Mal sabem eles o quanto fomos nós que nos sentimos beneficiados pela experiência. Pelo carinho com que fomos recebidos, pelos banhos de rio, pela prosa com Dona Laurentina, pelo café sem açúcar e a janta da Neide, pela música oferecida pela Ana Cláudia, pelas brincadeiras com as crianças, pela rapadura, pelo pouso no pátio da Associação.....


Em outro fervedouro com amigos da comunidade Mumbuca


Uma deliciosa comidinha caseira na Casa de Neide



Camila e Lucas brincando como e com as crianças





quarta-feira, 6 de maio de 2009

BEIJO ME LIGA, QUE TAMO LA NOS INDIOS

listinha do que se deve levar a uma aldeia indigena, rssss
(voltaremos daqui uma semana!)

CAROLINA - a princesinha do Maranhão

Atravessamos o Rio Tocantins, e chegamos na cidade de Carolina, cidade considerada a “princesinha do Maranhão”. Simpatizamos de imediato com esta cidadezinha de casas coloridas e ruas esburacadas, onde passaríamos somente dois dos dezessete dias que acabamos por ficar!
De grande importância histórica para o Estado do Maranhão, Carolina foi palco de sangrentos conflitos entre fazendeiros e indígenas. A disputa por território foi- e ainda é - tanta que era visível a resistência dos moradores da cidade quando pedíamos alguma informação sobre os Timbira, etnia indígena presente nos trabalhos do Ponto Cultura que viemos pesquisar (que compreende os povos Kanela, KriKati, Apinajé e Gavião, além dos Kraho, com quem tivemos uma experiência de vivência incrível). Aliás, a própria colonização da região já traz intrínseca este conflito: os primeiros colonizadores vieram, justamente, com o objetivo de capturar indígenas para trabalhar de maneira forçada na insana busca pelo ouro exigida pela corte portuguesa.
janelas da cidade


Salão de Beleza


banho de sol


seresteiros da madrugada


tio da banana


Carolina, a princesinha do Maranhão


domingo, 3 de maio de 2009

uma noite na chapada

Não lembro exatamente o dia, lembro-me apenas que era um fim de semana de feriado prolongado. Carros transitavam pelas ruas da vila de São Jorge. Nas trilhas, penetravam turistas avidos a consumir 4 dias d'uma natureza de incrível beleza e fragilidade. Pousadas que, construídas com a compra barata dos terrenos antes pertencentes aos garimpeiros, convidavam o dinheiro dos brasilienses a encherem o bolso dos donos que moram em outras localidades.

Era sábado e a vida calma dos mais de vinte dias que estavamos naquela vila incomodava quem nao suportavam mais a convivência consigo mesmo. Nós, esperavamos aquele fim de semana como se fosse a salvação de algo que nem sabíamos o que era, mas esparávamos. A idéia era ficarmos o início da noite na Casa de Cultura, dançando músicas brasileiras típicas de bares que querem agradar os turistas que se dizem amantes da cultura nacional. Erraram, e o que os visitantes quiseram foi a banda de ragge seguida de uma rave no meio do cerrado. Lucas e eu iríamos nas duas, claro.

Passei na casa em que estava hospedada para escrever uma das longas mensagens de celular que foram enviadas naquela noite, Lucas entra no quarto e me convida insistentemente a conhecer o bar que ele encontrara. Eu, com a grosseria que nunca me falta, respondi:

-Já vou moleque, espera um pouco.

Ele disse-me para procurá-lo onde estivesse o som, e apenas estas palavras bastaram para que eu pudesse encontrá-lo.

Demoro uns dez minutos e quando começo a me situar, ainda do lado de fora, vejo pela janela o Lucas dançando com os olhos fechados na sala de uma casa onde fora montada a pista de dança. Entro e percebo as paredes cor-de-rosa desbotado, não sei se pelo tempo ou pela qualidade da tinta; a luz não era suficientemente clara para inibir aqueles que sentem vergonha em dançar em público nem escura a ponto de posibilitar contatos mais ofegantes entre os adolecentes.

Nas noites de festa se retiram os sofás, colocam-se as mesas de lado e enchem a geladeira com bebidas a serem vendidas durante a noite. Tentou-se um balcão para apoiarem os cotovelos. Na porta do banheiro uma cortina feita de miçangas azuis e no chão um mosaico colorido que desenhava uma flor, o rosa na parede continuava.

Na porta, em que se da o transito entre a sala e o interior da casa, uma senhora de blusa branca, saia azul, coque despenteado e pés descalsos. Certamente era a proprietária.

À frente da sala estava o músico com seu teclado e o microfone. Um sujeito simples, mas aclamado pelo público a cada música. O repertório, pouco variado, trazia em ritmo de forró músicas como “créu”, “cada um no seu quadrado” e outras da mesma categoria, todas interpretadas por “Robinho dos Teclados”.

Os adolecentes, com a energia que lhes são características, pulavam e gritavam com suas roupas justas, curtas e de cores vivas; nos pés, vestiam sandalhas pretas com fivelas douradas, como aquelas vistas nas prateleiras de brechó ou as encontradas entre as poças depois da madrugada. Os dedos, sempre com esmaltes sintilantes, saiam e abracavam as palmilhas chegando quase tocar o chão, sobra sempre sandalha no calcanhar.

Em seguida começavam as músicas românticas. Lucas e eu decidimos tirar um par para dancar. Ele tirou uma garota de estatura baixa, um pouco inchada, nao chegava a ser gorda, pele queimada de sol, cabelo escuro preso e laranjado nas pontas. Eu tirei um rapaz alto, bem moreno, corpo desenvolto e cheiro forte de suor. No fim da primeira música romântico-cafona nossos pares nos soltaram, a impressão que deu foi que estavamos infringindo alguma regra, eramos os únicos turistas, e algumas pessoas nos observavam de canto de olho.

Terminou a apresentação, e, ao mesmo tempo que os adolecentes gritavam pedindo a volta da música, aparece uma senhora bem velhinha que carregava um cestinho de palha, como aqueles que existem nas igrejas católicas para os devotos doarem dinheiro, recolhendo o mísero pagamento do músico.

Volta a música, agora um techno-brega daqueles que ficam gravado no teclado, e os adolecentes cantavam gritando e pulavam incansavelmente. Ficamos em dúvida se a aclamação era mesmo para o Robinho ou apenas para a música. Dançamos o rit do momento “não vale mais chorar por ele, ele jamais te amou...”

Caminhamos para a rave.

Por: Camila Pierobon