quinta-feira, 23 de abril de 2009

Breve relato sobre a noção de propriedade privada entre os Kalunga

Camila, Fausto e Bruna, observando o imenso volume dágua de uma das quedas da Cachoeira do Macaquinho. Foto: Álvaro Galvani

A comunidade Kalunga é uma comunidade quilombola que vive na região da Chapada dos Veadeiros, a cerca de 300 anos. Resistentes á escravidão, que deles retirou a terra, a língua, a liberdade, os negros fugiram do trabalho forçado no processo de exploração do ouro goiano, formando o quilombo que hoje abriga cerca de 4.500 pessoas entre os municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre.
O povo Kalunga já faz parte do cotidiano dos moradores da Vila de São Jorge, sempre por ali em busca de um trabalho, de uma prosa e de um “mé” – como era de se esperar, dado o alto índice de inserção do álcool entre os povos tradicionais do país.
Entre este povo, a noção de propriedade privada é quase inexistente. Se alguém se torna “cumpadi” ou “cumadi”, o limite entre o que é “meu” e o “seu” é rompido e prevalece a noção de propriedade coletiva.

Na "Cavaleiro" (como é chamada a Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge, onde fazíamos a nossa comida) sempre aparecia um dos Kalunga, “cumpadi” de Juliano (coordenador do lugar) e figura certa nas prosas do pedaço.
Dia desses voltávamos da absolutamente maravilhosa Cachoeira do Macaquinho eu, Lucas, Camila e nossos novos amigos Itamaratenhos* Álvaro e Tomás. (*Do verbo Itamaratar: atividade laboral relacionada ao Instituto Rio Branco e/ou ao Itamaraty).
Definitivamente muuuuuito famintos, esperávamos que nosso chef mineiro Piau tivesse feito aquela abóbora com galinha que havia sido comprada pouco antes. Encontramos Piau fazendo uma siesta no alojamento:

- Piau, diz que você fez comida e que ta lá quentinha esperando a gente, diz??
-É, ué... fazê eu fiz...
-Fez galinhada???? Fez galinhada????????????
- Hum...Na verdade a comida hoje vai ser meio vegetariana...tem arroz , feijão e abóbora...
- Ué, e a galinha que você comprou?
-Pois é...Kalunga levô...

Confesso que ficamos meio muchinhos... Não que a gente nao goste de comida vegetariana. Gostamos, além do que a abóbora estava linda, devia ter dado um creme delicioso... mas aquele franguinho...Acontece que nossos mantimentos estavam na Cavaleiro, e o Kalunga, sempre que passava por ali, levava alguma coisa.
Fomos pra Cavaleiro e, como era de se esperar, o arroz tava soltinho, o feijão fresquinho e a abóbora de salivar...Mas não conseguíamos parar de pensar no bom que estaria a coxinha daquele frango....
Eis que chega Kalunga, com sua fala etílicamente enrrolada:

-UHÁ! ** Cadê o Juliano??? Cêis viram o Juliano?? Vim chamá ele pra nóis cumê um franguin cum jiló que eu fiz lá em casa..tá di bao...Uhá!

Olhávamos Kalunga, olhávamos a abóbora, Kalunga, a abóbora...

(** Palavra Kalunga que significa algo entre um “Oi” e um “Uai”, e serve tanto como cumprimento quanto como exclamação. Falada, se transforma em um ruído bastante peculiar que somente Lucas e Camila conseguem imitar).

Bruna

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